Matéria publicada no Portal Crypto ID.
Conversamos com Alexandre Torres, CIO da Soluti, empresa especializada em tecnologia de identificação digital sobre Projeto de Lei nº 21/2020 que trata de IA.
A Câmara dos Deputados aprovou, em 29 de outubro de 2021, o Projeto de Lei (PL) nº 21/2020 que cria um Marco Legal para o uso da inteligência artificial no Brasil.
A proposta estabelece diretrizes e define princípios básicos para o uso de IA no Brasil e inclui direitos do público e deveres de quem for desenvolver e aplicar a tecnologia, sejam pessoas físicas, empresas ou governos.
O PL estabelece como fundamentos para o uso da Inteligência Artificial no Brasil:
– Desenvolvimento tecnológico e inovação;
– Livre iniciativa e livre concorrência;
– Respeito aos direitos humanos e valores democráticos;
– Igualdade, não discriminação, pluralidade e respeito aos direitos trabalhistas;
– Privacidade e proteção de dados.
O PL foi encaminhado para o Senado Federal. Caso seja aprovado, a lei será aplicada a processos de automação cujo sistema tenha a capacidade, por meio do processamento de dados e informações, de aprender a perceber, interpretar e interagir com o ambiente externo.
O uso da Inteligência Artificial cresce nos negócios, segundo pesquisa da IBM-Brasil, em 2021, 40% das empresas brasileiras já tinham implantado algum projeto de IA. O Brasil não saiu à frente na corrida regulatória da IA, mas já pode realizar a regulamentação com base nas experiências dos Estados Unidos e União Europeia.
Crypto ID: Alexandre, o que você destaca de positivo no Projeto de Lei (PL) nº 21/2020, aprovado na Câmara dos Deputados encaminhado para tramitação no Senado?
Alexandre Torres: O PL 21/2020 tem como objetivo trazer uma definição para o setor e a preservação dos direitos de todos os afetados por tecnologias de IA.
Por exemplo, tanto o Art. 4º quanto o Art 5º defendem ótimos princípios, indo desde o desenvolvimento tecnológico e inovação, até a igualdade e não discriminação. Já o Art 7o fala de critérios e isso não se aplica muito diretamente.
Crypto ID: O PL 21/2020 demanda que o governo federal publique um guia de padrões e boas práticas para o desenvolvimento e a operação de sistemas de decisão automatizada de elevado risco. Você acredita que o Brasil vai seguir a classificação da Europa para definir as operações consideradas de alto risco?
Alexandre Torres: É possível que sim. Acredito que os legisladores sigam o que foi definido na Europa, da mesma maneira que já fizeram ao basear a LGPD na legislação europeia.
Crypto ID: O que você espera desse manual e como você vê a colaboração da iniciativa privada nessa ação?
Alexandre Torres: Espero que esse manual estabeleça diretrizes claras para a sua aplicação. Evidentemente, o desafio para esse tipo de legislação é que não se tem ideia do que poderá surgir no futuro. Por isso, a classificação de riscos da legislação europeia me parece um bom caminho. O PL, da mesma maneira, traz a proposição de valores a partir do impacto que as tecnologias podem exercer na vida das pessoas, ao invés de partir da tecnologia em si. É uma boa escolha.
A LGPD já abriu um importante caminho na sociedade para a colaboração. Ela é uma legislação que compartilha o aspecto de ser uma aplicação do direito do cidadão ao mundo digital. Portanto, penso que a iniciativa privada está preparada para entender a importância e a aplicabilidade desse tipo de regulamentação.
Crypto ID: Voltando um pouquinho, a inteligência artificial na linguagem para leigos seria um software programado para automação e autoaprendizado? E porque quando nos referimos a Inteligência Artificial normalmente falamos que se trata de aprendizado de máquina? Isso acaba confundindo as pessoas. IA é software ou hardware? Seria uma excelente oportunidade para você esclarecer isso para um público que não tem tanto conhecimento sobre o assunto.
Alexandre Torres: A inteligência artificial é um termo que abrangem um guarda-chuva de técnicas de desenvolvimento de software. Quando escrevemos um programa de computador tradicional, o programador dá uma ordem clara para a máquina em cada linha de código. Ele manda o programa fazer um cálculo ou inserir um registro no banco de dados, de forma bem explícita.
Com a Inteligência Artificial é um pouco diferente. O programa diz para o computador construir padrões de conhecimento. Na maioria das vezes o resultado não pode ser previsto. Eu posso construir, por exemplo, um programa para o computador reconhecer uma imagem, mas eu não digo como isso será feito. Essa é a beleza, mas também o perigo da IA.
Para toda essa “mágica” acontecer, eu preciso fazer com que o programa aprenda o que ele precisa. Por exemplo, se quer que o computador reconheça imagens de placas de trânsito é preciso fornecer ao programa várias imagens já identificadas. Ele irá tentar reconhecer, entender o erro e recalibrar seus parâmetros. Esse ciclo ocorre milhões de vezes, até que ele encontre o padrão correto de reconhecimento das placas. Isso é o que chamamos de “aprendizado”. No fundo é o computador realizando milhões de tentativas e erros e, recalibrando os pesos matemáticos de suas contas.
Existem máquinas, ou hardware, que rodam software de IA para realizar funções. Os carros da Tesla reconhecem o trajeto, o robô aspirador desenha padrões de movimentações e, os robôs assustadores da Boston Dynamics, andam e pulam.
Crypto ID: Podemos dizer que a computação quântica acelerará os aprendizados das máquinas?
Alexandre Torres: É importante dizer que ainda não sabemos praticamente nada sobre a computação quântica. Ela ainda está na idade da pedra. Claro que todos os dias surgem novidades, mas o que estamos vendo hoje são apenas as primeiras pesquisas.
Mas, supondo que a computação quântica avance e que sejamos capazes de realizar processamentos baratos e complexos, com alto volume de dados. Acredito que sim, poderemos ver uma aceleração muito grande.
Mas acho que coisas desse nível são tão disruptivas que qualquer sonho louco ainda é tímido perto do que poderá acontecer. Temos uma longa estrada para percorrer com a computação tradicional. Todos os dias novas pesquisas surgem, melhorando algoritmos e propondo novas técnicas.
Crypto ID: Entre as boas práticas para segurança da informação estão as assinaturas digitais utilizadas em softwares, é o que chamamos de certificados CodeSign ou assinatura de código. Existe algum tipo de certificado digital que identifique a IA? Existe como rastrear as ações feitas pela Inteligência Artificial?
Alexandre Torres: Vou ligar esse assunto com a legislação, lá do início. Umas das coisas que a lei prevê é a clara identificação de atos e interações praticadas por software de inteligência artificial. Ou seja, se eu estiver falando com um robô, ou sendo categorizado por um software, isso deverá ser informado. Nesse sentido, eventuais que exijam assinatura, por exemplo, poderão ser rastreados até o software de origem.
Não temos um certificado próprio para IA, ou outro tipo de software, mas temos certificados que cuidam da comunicação entre as máquinas. O OpenBanking, por exemplo, exige que toda comunicação seja assinada por um certificado emitido para a API de origem.
Crypto ID: E como estabelecer a relação de confiança e segurança quando essas duas tecnologias se unem, especificamente a Inteligência Artificial e a Internet das Coisas?
Alexandre Torres: O potencial dessa união é incrível e gera uma discussão importante. Do ponto de vista da segurança dos equipamentos, temos cada vez mais equipamentos conectados em casa, sem que saibamos a procedência ou realizemos ações básicas como trocar a senha de acesso. Quando esses equipamentos começarem a ter cada vez mais inteligência embarcada, as consequências serão imprevisíveis.
Essa semana viralizou a imagem do robô aspirador que aspirou o cabelo da dona, que estava deitada no chão. Claro que foi um acidente, o robô não estava programado para reconhecer o cabelo ou responder a uma ordem para parar, mas pense se esse tipo de máquina puder ser invadido e controlado?
Talvez um aspirador não seja problema, mas e um carro? São preocupações que nos esperam em um futuro que já começou. Além disso, tempos importantes questões éticas. Um exemplo, na China existe uma ampla cobertura de câmeras que identificam cada cidadão. É uma clara quebra na privacidade que, por outro lado, aumenta imensamente a segurança nas ruas. Quem deve decidir o que priorizar? É uma pergunta ainda sem resposta. Carros inteligentes não irão atropelar as pessoas, mas as pessoas podem simplesmente voltar a caminhar nas ruas e os carros ficarão imobilizados. Quem deve ter a prioridade? Como decidir?
Crypto ID: Agora pra finalizar vamos falar sobre a Soluti? Quais são as soluções de IA que vocês já utilizam na Cia e quais disponibilizam ou vão disponibilizar ao mercado para comercialização?
Alexandre Torres: A Soluti estabeleceu um importante convênio com o Instituto Federal de Goiás – IFG para o desenvolvimento de soluções de IA. Nós estamos aumentando nosso laboratório interno e buscando cada vez mais cenários de aplicação.
Hoje nosso foco inicial são soluções identificação e reconhecimento facial. Já temos a primeira solução em produção no nosso processo de emissão de certificado, agora vamos lançar a nova versão com detecção de vida. O plano é derivar a tecnologia para outros casos de uso do nosso roadmap, como login facilitado e assinatura de documentos.
Temos também o uso da tecnologia na identificação de padrões. O pessoal dO IFG está com um estudo de caso nosso para saber se dado o padrão de compra do certificado, conseguimos prever qual cliente irá acionar o suporte e com qual questionamento. O uso da inteligência artificial, juntamente com a engenharia de dados é uma área central em nossa estratégia.
Alexandre Torres é CIO da Soluti e coordena as equipes de desenvolvimento, infraestrutura, novos produtos e sistemas críticos. O executivo acumula mais de 25 anos de experiência à frente de grandes projetos. Na Soluti, seu objetivo é capacitar a equipe e contribuir com a continuidade à tradição de qualidade, segurança e inovação para alavancar os negócios e acelerar crescimento da empresa.
Torres é Mestre em Gestão de TI pela Universidade Católica de Brasília, e atualmente, está cursando mestrado em Computer Science, no Georgia Intitute of Technology.